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Contra a maré

O blogue de alguém que se cansou de lutar contra quem é, de alguém que depois cansou-se de lutar contra o mundo e que agora apenas deambula num mundo imperfeito á procura de respostas

O blogue de alguém que se cansou de lutar contra quem é, de alguém que depois cansou-se de lutar contra o mundo e que agora apenas deambula num mundo imperfeito á procura de respostas

Contra a maré

28
Out25

Á beira de um esgotamento emocional

Carina Martins

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Aqui estou eu a reclamar sobre o meu casamento outra vez, sem saber o que fazer.
Há anos que me encontro nesta espiral e volto sempre ao mesmo ponto.
E quanto mais o faço, mais frustrada me sinto, porque sempre tive certezas sobre tudo o que queria para a minha vida — mas ultimamente, não encontro nem respostas, nem soluções para isto.

Dei por mim a fazer uma lista de todas as coisas que eu e o Beto vivemos.
Não consigo.
Não consigo pensar alto.
Não consigo tomar uma decisão.

O Beto sempre foi amoroso comigo, carinhoso, mas passivo, distante e raso.
Às vezes só queria abaná-lo e tirar a alma de dentro dele, ver a alma dele — mas nunca, ou raramente, consigo.
Dou por mim a pensar se alguma vez consegui.

Amas-me?
Porque é que tens medo de me perder?
Ocupo o lugar de mulher ou de mãe na tua vida?

Procurei conforto, mas fui eu que o dei.
Procurei descansar nos teus abraços, mas fui eu quem os deu.
Procurei resgatar a minha energia feminina, poder ser mulher por uma vez e deixar contigo o papel de homem.
Fui os dois ao longo destes anos — escusado será dizer que não consegui descansar.

Fui a fera quando mostrar os dentes foi preciso, e a calma quando era preciso apaziguar.
Fui o cansaço que não entendeste, e até hoje sou o cansaço.

Continuas a não compreender o meu trabalho.
Interrompes-me, ficas assoberbado quando preciso de me focar, fazes planos a contar comigo mas sem me perguntar — ou fazias, isso lá conseguiste mudar.

Não fui prioridade tantas vezes, para dar lugar a coisas superficiais, a gente que viste uma vez.
Senti-me sozinha e desamparada.
Escolheste a família, o que significa que talvez eu não seja família — talvez eu não seja a tua mulher.

Hoje falaste do Natal.
Não me perguntaste se eu queria passá-lo contigo; assumiste que estava tudo bem.
E apesar de eu não acreditar no Natal, de achá-lo uma hipocrisia, sabia bem ter algum senso de família.
A pergunta teria calhado bem.

Viajo para ver a minha mãe — a minha doce mãe, a mulher que eu amo acima de tudo nesta vida, o meu exemplo de ser humano num mundo virado do avesso.
A tua família tenta atravessar-se nos meus planos, e dizes-me que jamais farias algo do género.
Mas se não farias, porque é que sinto que me estás a sondar?

Nunca tive uma família para apresentar.
Quando tive a festa da empresa, e mal conhecia os meus colegas, perguntei se te podia levar comigo.
Fartei-me de falar bem de ti, disse que iam adorar-te — mas, mais uma vez, a tua “família” foi prioridade.
E eu, mais uma vez, não me senti família.

Talvez esteja demasiado familiarizada com esse termo e, por isso mesmo, depois de chorar por horas e arrastar-me até à festa, de fingir um sorriso e voltar para casa a chorar, tu vieste com um encolher de ombros — como se nada tivesse acontecido.

Mas não é só a família.
És amigo dos que me fizeram chorar.
Perdoaste, mas nunca te perguntaste se eu perdoaria, se eu perdoei — e não, eu não perdoei.

O irónico é que os nossos problemas sempre foram sobre os teus pais questionarem-se se eu te merecia.
E hoje pergunto-me se tu me mereces.

Já não sou a mulher que eu era.
Engordei, descuidei-me, estou sempre cansada.
Não me sinto desejada nem feminina.
Mostro as garras porque, para ti, está sempre, sempre tudo bem.

Chego à conclusão de que deveria voltar a viver para mim — e só para mim.
Porque larguei-me nestes anos contigo e já nem sei onde estou, em que ponto fiquei, e como fiquei.
Perdi a minha identidade.

A minha mãe adora-te.
Convido-te para vires comigo, insistes.
E depois das milhentas viagens que fiz para estares com a tua família, tu não queres — deixas-te ficar, inventas uma desculpa: “vocês têm que estar as duas sozinhas.”

Enches a boca para dizer que o Hugo é o teu melhor amigo — aquele que me disse há alguns anos que, se eu não te dava filhos, não era boa para ti.
Perdoaste-o, mas a atacada fui eu.

E apesar de tudo, sim — nunca me levantaste a voz, nunca me trataste mal.
Sempre me disseste o quanto sou bonita, atraente, inteligente.
Mas nunca me soubeste acarinhar com actos; apenas palavras, que sem actos tornam-se vazias.

Choraste quando disse que íamos terminar.
Deixei que as coisas voltassem ao mesmo, porque nunca te tinha visto chorar daquela maneira.
Pensei que finalmente tinhas entendido — mas não entendeste.

Quero sair desta bola de neve e não sei como.
Não sei como viver contigo ao meu lado e começar a viver para mim.

Interrompo a escrita porque chegas a casa.
Poucos minutos depois, perguntas-me se sou feliz.
Digo um “sim” seco e rápido e nem paro para pensar sobre o assunto.
Mas eu sei a resposta.

07
Out25

Quando o medo se desgasta

Carina Martins

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Foram anos a viver com o medo como companhia. Ele acordava comigo, adormecia comigo, respirava no silêncio dos dias.

Por muito tempo acreditei que era ele quem me segurava, como se a vigilância constante fosse proteção. Mas o medo não protegia: consumia o meu corpo, esgotava a minha mente, secava a minha alegria.

Passei anos a olhar o futuro como um terreno minado. Antecipava desastres, inventava abismos, construía prisões dentro de mim. Como se não houvesse saída, como se não houvesse alternativa.

Mas no fundo havia: havia sempre chão debaixo dos meus pés, havia sempre escolhas, havia sempre em mim uma força que não se deixava calar. Eu não estava presa. O medo é que queria convencer-me disso.

Vivi também escondida do julgamento alheio. Durante anos temi ser descoberta, olhada de cima a baixo, reduzida a um estigma. Mas esse medo também se gastou.

Descobri que as pessoas julgam de qualquer forma. E que esse julgamento não muda quem eu sou, nem apaga a vida que construí. Eu já não tremo mais.

Não foi vitória súbita. Não foi iluminação espiritual. Foi cansaço. Depois de repetir tantas vezes a mesma angústia, percebi: a vida é curta demais para ser entregue ao medo. Eu não vou viver outra vez, não vou ter esta oportunidade outra vez. Então, por que desperdiçar?

Hoje olho para trás e vejo: o medo não desapareceu numa batalha heroica. Ele simplesmente se desgastou, de tanto me perseguir, até perder as garras.

E nesse esvaziamento nasceu a clareza: eu posso viver, eu posso escolher, eu posso ser quem sou — sem pedir desculpa, sem me encolher.

Que o medo exista em algum lugar, mas não mais em mim.

27
Set25

Até que ponto as pessoas querem-te bem?

Carina Martins

Será que as pessoas ao nosso redor querem ver-nos realmente bem?

Começo este post com uma pergunta que, eu sei, deveria estar no fim e na conclusão, mas, na verdade, isto não é bem uma pergunta, é mais uma crise de epifania após ter lido alguém dizer: "Já repararam que ninguém insiste que estudemos, tenhamos uma boa carreira, cuidemos da nossa saúde e sejamos felizes com a mesma insistência com que sugerem que tenhamos filhos?" — e isso, de qualquer forma, fez um clique e fez-me pensar: é verdade.

Nunca consegui colocar por escrito tão bem algo em que já acreditava há muito tempo, mas não sabia explicar tão bem. Quando era operadora de caixa num supermercado numa aldeia, todas as minhas colegas eram mães. Quem viveu no interior sabe do que estou a falar: não há lugar em Portugal com pessoas mais quadradas do que o interior. Eu tinha ido para lá pelo contacto com a natureza e a calmaria, mas as pessoas fizeram-me sentir sufocada num mundo quadrado que nunca foi o meu.

Fui olhada como uma alienígena quando souberam que não queria ter filhos. Já estava habituada a esse sentimento, as minhas escolhas de vida deixam habitualmente as pessoas muito confusas: vegan há 10 anos, bissexual, casada com um relacionamento aberto, uma pessoa de classe média baixa e que adora fazer voluntariado pela causa animal, anti-social por escolha e por gosto.

Compreendo, isso gera perguntas, as pessoas não estão habituadas à liberdade, por mais que seja bonito dizer que sim.

Depois há o passado do qual não me envergonho, pois não tive culpa. O passado que não escondo. Eu acho que as pessoas têm que deixar de esconder as coisas porque tropeços na vida são normais e quem não os teve viveu numa redoma: filha de violência doméstica, ex-vítima de violência doméstica, mantida em cativeiro por um homem por dois anos, que me afogava em álcool (algo que nunca tolerei) até ficar em coma alcoólico e perder a consciência, violada dia sim, dia não. Tinha 23 anos e perdi dois anos da minha juventude e senti a maldade humana no auge.

Não entendem? Isto é liberdade, poder verbalizar a minha história, não a esconder. É liberdade. E quando não sentes pena de ti mesma as pessoas também não sentirão.

E eu fiquei precisamente assim, livre, desde o dia em que corri desesperada com a roupa rasgada e suja até a um posto de polícia com o meu cão ao colo a pedir ajuda. Esse foi o melhor dia da minha vida porque algo em mim despertou e mudou e prometi, desde então, que nunca mais, nunca mais iria ter vergonha de quem eu sou ou deixar de fazer absolutamente nada.

Hoje não estamos aqui para falar sobre as coisas horríveis que vivi no passado, isto só fez parte da minha reflexão para vos explicar que foi precisa uma boa dose de sofrimento para que eu fosse de facto feliz, e é por isso que tenho a consciência que, mesmo que pudesse, eu não deveria mudar absolutamente nada.

A questão dos filhos enervou-me de tal forma que já cortei muitos laços graças a essa conversa que vem sempre no mesmo tom, como um disco riscado ao longo da vida de uma mulher. Cansa, mói, cansa sobretudo quando sabemos que os nossos argumentos são válidos mas as pessoas não estão dispostas a tentar entendê-los porque simplesmente não querem.

A frase que li no X fez-me pensar: estudar, escrever, ler e descobrir sempre foram paixões minhas, sempre fui ambiciosa, sempre fui uma filha exemplar. Mas nem os meus próprios pais me incentivaram ao estudo, era a velha conversa dos filhos, toda a família. Eu acho que é uma quebra dos direitos das crianças abordarem-nos com este tema quando temos 8 anos, falar de futuros netos quando nós ainda nem iniciámos a nossa vida sexual.

Desculpem-me, mas isso deveria ser um crime, e se acham que isso não aconteceu aos vossos filhos, duvido. Comigo foi com cerca de 8 anos: “Tão linda a brincar com bonecas, um dia, Carla, ela vai dar-te um netinho e vai cuidar dele com o mesmo carinho”. O engraçado foi que, assim que a minha tia disse aquilo, larguei as bonecas de vez e transformei-me numa maria-rapaz até ter idade para trabalhar.

Eu sempre fui rebelde. Livros sempre existiram imensos lá em casa e o meu pai, que sempre foi um pouco como eu, que sempre quis dominar um pouco de tudo, tinha livros práticos, livros de medicina (até porque o meu avô era médico), romances, livros de terror, livros sobre absolutamente tudo... Eu sempre achei que o conhecimento nos dá liberdade de escolha e foi assim que comecei a ler, a informar-me sobre o que era ser mãe, sobre todo o processo, e percebi muito cedo que não queria ser mãe.

Um dia, muitos anos mais tarde, estou na casa dos pais do Bruno. A minha cunhada Joana tinha uns 10 anos e fizeram-lhe exatamente o mesmo. A diferença é que as miúdas hoje em dia desenvolvem-se em todos os níveis muito mais depressa e, em vez de brincar com bonecas ou legos, a Joana estava a ver tutoriais de maquilhagem, roupas, etc.

A minha sogra sai-se com a derradeira frase: “O tempo passa a correr, um dia é a minha mais nova que vai dar-me netos e vai ser tudo num estalar de dedos”. Antes que digam alguma coisa: eu sei que a frase não teve más intenções de todo, mas é por isso que eu penso mais do que falo. Eu e o Bruno entreolhámo-nos e achámos aquilo monstruoso.

Mais tarde tive uma conversa com a Joana: pedi-lhe que se informasse antes de ser mãe, que vivesse muito antes disso, se isso fizesse parte, um dia, dos sonhos dela, e que, sobretudo, se ela um dia fosse mãe, que o fizesse por ela e não por pressão da família. Ela agradeceu-me e anuiu.

Eu cuidei dos meus irmãos, ajudei a minha mãe em tudo o que pude. A minha mãe é a pessoa que eu mais amo nesta vida, a pessoa em que mais me espelho, e não me arrependo de absolutamente nada que tenha feito por ela. Eu lembro-me de pegar no Miguel ao colo e adormecê-lo, e de sentir paz, de adorar fazê-lo. Tenho saudades do cheiro dele no meu colo, tenho saudades de dar comida à boca da minha irmã, de mudar-lhe as fraldas.

Eu adorava fazer todas essas coisas e prescindi de brincadeiras, de namoricos e paixonetas ou tardes passadas com amigos porque, de facto, eu adorava cuidar dos meus irmãos. A questão aqui é que eu sei exatamente o que envolve cuidar de uma criança — e não quero. Eu passei noites em branco e amparei os choros da minha mãe de completa exaustão.

E não, eu não estou traumatizada. Eu dava tudo para voltar a esse tempo. Eu apenas NÃO quero ser mãe.

Eu cresci rápido. Aos 8 anos já sabia cozinhar, cuidar de bebés, limpar a casa, já sabia sobre os perigos que existiam lá fora e já tinha conversas de gente adulta com a minha mãe. Foram essas conversas com a mulher mais especial deste mundo que me tornaram no ser humano que sou hoje: empático, às vezes até demais.

Fui eu que estive à porta da maternidade desesperada por ver a minha mãe, que quase morreu a ter o Miguel, e chorei em prantos porque não a queria perder. Fui eu que a vi naquele estado, cansada, desfeita, mas sempre com amor para mim.

E sobre a experiência com a maternidade, eu só não pari, mas eu senti cada sensação, cada momento da criação dos meus irmãos com ela. Por isso é que fico revoltada quando as pessoas dizem-me que eu não sei o que é amor incondicional só porque não sou mãe. Porque sim, para além de as pessoas quererem forçar-nos maternidade goela abaixo, ainda nos querem reduzir, ainda comparam amores.

E eu tenho para mim que quem sabe o que é amor não o compara com nada, porque amor é amor.

Eu não quero ter filhos, mas quero estar disponível para cuidar da minha mãe se ela precisar — e não é porque sinta que isso seja a minha obrigação, mas porque eu amo a minha mãe e quero aquela mulher gigante, que me lembra que ainda existe bem no mundo, na minha vida. Porque a minha mãe alegra os meus dias.

Digo isto com a mesma leveza de quem diz que não cuidará do pai, que não cuidará do irmão. E julguem-me, go ahead, eu estou habituada. Mas se estão dispostos a julgar-me, passem como eu 16 anos da vossa vida a ser espancada todos os dias, a ver a vossa mãe ser espancada todos os dias, vejam o ódio do vosso pai nos olhos dele todos os dias, cheguem ao limite e, depois de anos de terapia para curar feridas que sempre estarão lá, perguntem-se então se seriam capazes de cuidar do homem que vos fez perder a vontade de viver por tanto tempo.

Voltando ao tópico original (eu desvio-me muito, eu sei, desculpem): falava nas minhas colegas de supermercado porque, das piores coisas que me fizeram para tentar enfiar-me maternidade goela abaixo, foi mentir. E foi assim que comecei a perguntar-me até que ponto as pessoas queriam-me bem.

Ironicamente, até hoje gosto muito da Isabel, mas sei que ela não é feliz e por isso consigo tolerar as atitudes dela enquanto fui colega dela. A Isabel tinha acabado de ser mãe quando a conheci. Eu gostei logo dela: sorriso sempre no rosto, tolerante, empática, algo que hoje em dia falta em doses cavalares às pessoas.

A Isabel tinha sempre um sorriso cansado, mas sorria-nos e nunca descontava os problemas dela em ninguém. Antes de saber que eu não queria ser mãe, a Isabel contava-me tudo: sobre os problemas de saúde depois da maternidade, sobre os problemas com o marido, as noites mal dormidas, a exaustão...

Quando disse que não queria ser mãe ela não me julgou, mas sei que acreditou que os desabafos dela tinham tido influência sobre a minha decisão.

A Isabel não me conhecia bem o suficiente ainda para entender que eu nunca fui uma pessoa influenciável e sempre fui atrás das coisas que queria, por mais difíceis que elas fossem, e portanto, se ser mãe fosse um sonho meu, eu teria trabalhado afincadamente para poder colocar uma criança no mundo.

Depois de contar que não queria ser mãe, a Isabel começou a esconder-me absolutamente tudo, inclusive o doloroso que eram as varizes que ela tinha desde a maternidade na zona genital e que lhe causavam tantas dores. Eu ficava a saber sempre por outras pessoas.

Em vez de desabafar, a Isabel começou a romantizar a maternidade. Ela desabafava com as minhas colegas e comigo floreava tudo.

E foi assim que eu e a Isabel fomos-nos afastando, porque já não havia verdade entre uma amizade que estava a ser tão boa enquanto durou. Isso fez-me questionar até que ponto a maioria de nós foi submetida a tamanha lavagem cerebral que acreditamos que, acima de todas as coisas, devemos ser mães, sob pena de perder o nosso título de mulher...

Como se qualquer zé nos atribuísse o título de mulheres e ele não nos fosse inato, independentemente de sermos mães, já que sermos mulheres deveria ser algo incontestável.

E é aqui que vem a velha questão: a minha própria família foi contra eu fazer a faculdade, contra eu estudar e formar-me, contra eu ser ambiciosa e querer uma carreira. Toda a minha vida fui julgada pelo meu aspeto de miúda, que fazia com que as pessoas pensassem que a minha cabeça era moldável o suficiente para me fazerem mudar de ideias.

Toda a minha vida a conversa da maternidade... Tantas vezes gritei, perdi a paciência, perdi as estribeiras, fui mal-educada, passei-me por completo porque os anos acumulavam-se e a falta de paciência para a estupidez humana foi-se juntando a isso em crescendo até chegar aos dias de hoje sem admitir que absolutamente ninguém questione as minhas decisões ou se sinta no direito de opinar sobre as mesmas.

A questão aqui é: mas alguma dessas pessoas queria realmente o meu bem?

25
Set25

Odeio ginásios

Carina Martins

Odeio ginásios e as razões são múltiplas, but there we go, vou vos explicar a minha jornada no desporto e depois disso vamos ver se me conseguem compreender ou acham que são parvoíces, amigos na mesma seja qual for a conclusão.

Fui uma miúda pobre, e como tal, estar fora de forma, pelo menos para mim era impossível, eu não tinha playstation, canais de subscrição na tv, brinquedos ou telemóvel, mas fora a frustração de ver a minha mãe a passar momentos de aperto e desespero eu até era feliz, muito provavelmente porque era criança e o peso das contas ainda não passava por mim, ser-se criança e pobre é relativamente fácil desde que não passes fome, ser-se adulto e pobre é carregar o peso da injustiça e trabalho pesado ás costas sem nunca ver frutos. Mas hoje, só hoje não estamos aqui para falar sobre injustiça social.

Onde quero chegar é que a falta de entretenimento fez com que eu começasse a ocupar os meus dias com o desporto, na escola inscrevia-me em tudo o que eram competições de voley e corta mato, sempre fui uma boa atleta e com uma excelente resistência, cheguei a competir com homens.

Ser atleta enquanto criança era fácil, eu adorava acordar ás 6h da manhã e ir correr para o parque da cidade também, nas férias de verão, arrancava a minha mãe de casa e iamos andar com as nossas bicicletas ou simplesmente dar caminhadas, ou correr, mas quando misturamos pessoas e desporto, infelizmente as pessoas têm o maravilhoso dom de estragar tudo.

Comecei a crescer e fiquei uma adolescente bastante magra, sem curvas, e super saudável, mas a saúde nunca é um tópico, seja no nosso seio familiar, seja na escola, a saúde nunca foi o tópico não importa o quão hipócrita seja a pessoa que está á nossa frente e que nos diz: "estás demasiado magra, precisas de engordar uns kilos"... Tu suspiras e olhas para um acéfalo geralmente da tua família que mal consegue subir um lanço de escadas sem ficar ofegante, e não abres a boca porque o facto de teres só 13 anos é um atestado de "silêncio eu é que sei" para adultos ignorantes.

O maravilhoso médico, um dos melhores médicos que acompanhou-me a vida toda abanava a cabeça quando falava com ele, sorria e dizia-me para ignorar, que  a minha saúde estava impecável e se continuasse com aquele estilo de vida ia ser uma adulta muito saudável e cheia de energia, as maledicências falaram tanto que eu chateava o Dr Aires para ter análises feitas com alguma regularidade e adivinhem, crescimento em dia, nutrientes em niveis incriveis e forma física excelente.

O Dr. Aires foi um dos poucos homens em que em idade adolescente não fez os meus alarmes todos dispararem, pelos meus 13 anos já tinha passado pela minha primeira experiência de abuso mas o Dr. Aires era cuidadoso, examinava-me e tinha ar de ser um avô com muitos netos em casa, nunca senti-me desconfortável e até chorei quando chegou a idade de se reformar porque sabia que nunca mais iria encontrar um médico igual.

Claro que vocês pensam assim, mas claro, tinhas 13 anos, é claro que estavas saudável, e eu pergunto, então mas o que é feito de : "estás demasiado magra e precisas de engordar uns kilos"? Claro que essa frase vinha sobretudo da madrinha da minha mãe que cuidava do neto, o Iúri, que com 10 anos já pesava 80 kilos e mal se conseguia locomover. Irónico não é? Mas o pior nem é isso. O pior eram os avisos constantes da minha mãe de que um dia a situação dele iria tornar-se irreparável e a madrinha dela dizer: "isto é uma criança saudável", pequeno spoiler, sim a situação tornou-se quase irreparável, aos 18 anos o Iúri teve que colocar uma banda gástrica.

Fora o desporto, carregar sacos de compras a peso de chumbo por quilómetros a fio até casa com a minha mãe e todos os sete ofícios que um pobre acaba por ter que ser, valeram-me ter bastante musculatura mesmo antes de frequentar um ginásio e até a minha vida deixar-se de resumir a trabalhar e a estudar 24/7 não tive qualquer hipótese de pensar sobre ginásios.

Um pouco antes disso de qualquer das formas, infelizmente, deixei-me levar, deixei-me abater pelo bullying constante, a minha autoestima tinha vindo a ser atacada por anos e por fim sucumbi, deixei de correr, "o desporto era mau para mim", deixei de entrar nas competições, era feia, era demasiado magra e tinha que revertir aquilo, pedia á minha mãe para comprar leite gordo, iogurtes gordos (eu sei, yuck) e e bebia um litro de uma vez até parar em lágrimas na casa de banho a vomitar.

Larguei as revistas de nutrição que adorava ler em voz alta para ensinar a minha mãe a comer melhor, larguei as competições, larguei o que quer que fosse que envolvesse actividade física e comecei a ficar doente, o meu estômago não cooperava, não tinha energia e não engordava.

Infelizmente, fiquei anos sem praticar desporto e é por isso que voltar foi uma das épocas mais felizes da minha vida, estava no Porto e conheci o melhor ginásio que alguma vez poderia ter conhecido, o Virgin, ele já não existe mas eu era muito feliz ali, conheci as amigas que fiz para a vida e soube o que é um ambiente desportivo saudável. Toda a gente se conhecia, toda a gente era feliz, toda a gente tinha endorfinas a circular pelo corpo e era saudável porque é isso que o exercício fisico faz, ou pelo menos deveria fazer, põe as pessoas com energia, fá-las sorrir, sentirem-se atraentes e motivadas.

Não me recordo de outra altura onde tenha sorrido com tanta força que até a fisionomia do meu rosto era diferente, eu era feliz com cada célula do meu ser, aquele ginásio era a minha segunda casa, as pessoas elogiavam-me sem ser intrusivas, abordavam-me sem querer saber demais, as pessoas respeitavam-se e preocupavam-se genuinamente.

Um dia o Virgin fechou e de repente parece que um véu preto se instalou sobre a minha vida, sair dali foi um luto, eu fui tão feliz que dava tudo para reviver um dia daqueles anos maravilhosos.

12 anos depois aqui estou eu feliz por finalmente ter alguma paz de espirito a treinar sozinha com o meu próprio ginásio montado em casa, mas antes de chegar ao momento actual, precisam de saber o que tive de passar até chegar a esta "brilhante" conclusão.

Resumidamente, eu e o Bruno chegamos ao Algarve e percebemos que o Virgin era um paraíso e uma utopia, longe de ser a realidade de 99% dos ginásios que iriamos encontrar daí em diante.

Sem dizer nomes claramente, porque as paredes têm ouvidos, acabámos por perceber que os ginásios acabam por ser no geral pardieiros onde todos falam mal da vida uns dos outros e a maioria nem se quer estar ali pela saúde, são lugares de egos, de competição, palcos para engates e desrespeito, e o Bruno como personal trainer  passou por situações que nem eu nem ele poderiamos imaginar.

Comecei a moldar a minha agenda para ter horários mais agradáveis onde pudesse treinar, estava errada, nenhum horário era agradável, o da manhã era menos insuportável, mas em todos os horários existiam os "casablancas" desta vida que insistiam em ensinar-me como usar uma leg press mesmo sem eu ter pedido, ou os gnus em manada que treinavam sempre aos 4 na mesma máquina, os cromos do ginásio que treinavam na leg curl mas abandonavam a toalha na leg extension e a água na shoulder press ignorantes á existência da restante humanidade, enfim, um rol sem fim de trogloditas alheios ás regras básicas da convivência em sociedade.

Eu não estava ali para engates, eu recusava-me a participar em conversas de maledicência, eu não passava meia hora na legpress a fazer scroll na shein á procura das leggings mais justas que me realçassem o rabo para chamar a atenção de um homo sapiens e portanto, eu não me adaptei.

Fui perdendo a paciência, ah Virgin, que saudades, pensei eu ao longo desta minha jornada em ginásios, penso eu até agora, que saudades, pensava eu enquanto via as duas parolas de sempre a pôr a conversa em dia na smith machine com meio mundo á espera que elas... treinassem?

Um dia uma delas desfaneceu na famosa máquina de escadas, passou mal, se desse menos á lingua enquanto simulava um treino e não se tivesse metido numas escadas só para poder continuar a dar á lingua nada daquilo teria acontecido, mas qual garrafa de água, qual quê, meia hora de escadas sem uma garrafa de água, perguntei-lhe obviamente se ela precisava que chamasse um médico mas vi-a envergonhada a partir daquele dia e nunca mais a vi no ginásio. Antes que comecem a julgar-me, ok eu percebo que nem toda a gente esteja em forma, mas se vão ao ginásio por favor, façam-no para ficar em forma e ao vosso ritmo claramente, eu não tenho nada contra demorares 30 minutos numa smith machine desde que de facto estejas lá a treinar.

Posto isto faltou-me falar da espécia "kenga de ginásio/ azeiteira /bairrista" que começa a olhar-nos feio desde o primeiro dia em que fazemos a inscrição com medo de uma concorrência inexistente porque eu não vim ao ginásio lançar uma rede de pesca, eu vim treinar, portanto amiga guarda as garras e tira-me da tua mira que eu simplesmente liguei o botão do foda-se. Uma vez estava na segunda série de legpress e uma dessas veio ter comigo a perguntar-me com ar de rufia se me faltava muito, estava ali á 5 minutos, como pessoa com boa educação e respeito pelo tempo dos outros disse-lhe que me faltavam 3 séries e que ela podia revezar comigo se quisesse, amuou, virou-me costas e agradeceu entredentes, encolhi os ombros e voltei ao meu treino.

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Ás vezes a saída do Bruno coincidia com os meus treinos e ficava á espera dele, aprendi a evitar a recepção sempre que a gestora do espaço ali estava, "tens a certeza que não queres ficar aqui a fazer-me companhia?", "deixa estar, eu adoro passar tempo sozinha", e não eu não era mal educada mas há muito tempo que aprendi a ser sincera com as pessoas sem sentir-me culpada, e isso francamente tem que ser normalizado, a diferença é que no Virgin eu até lá ía almoçar de propósito só para dizer um olá a toda a gente, a energia era boa, e eu fazia questão de desfrutar dela o quanto pudesse, ali, era diferente, este ginásio era um centro de convivio onde maldizer era o passatempo que ocupava a maioria do tempo da maioria das pessoas, e como aprendi que quem fala mal de A nas costas também vai falar mal de ti nas tuas costas e á frente do A, não obrigado.

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A minha paciência esgotou-se mas o gatilho principal foi o assédio, limitei a minha vida de tal forma que só treinava com o Bruno, e não, eu não usava tops justos por esta altura por mais que em pleno verão com 40 graus isso fosse mais comfortável, até hoje tenho tshirts over sized que odeio abandonadas no meu guarda roupa que comprei por essa altura para evitar olhares convencida de que isso fosse surtir efeito, depois comecei a usar boné, depois usava fones com a música no máximo e depois uma conhecida disse-me que eu nunca iria passar despercebida por causa do meu rosto e foi aí que tive vontade de gritar: "HÁ ALGUMA CAVERNA POR AÍ EQUIPADA COM MATERIAL DE GINÁSIO ONDE EU POSSA TREINAR EM PAZ?!!!"

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Para que conste eu tenho olhos na cara, mas eu não preciso de praticar hipnose com os tipos que acho bonitos, eles provavelmente nem sabem que eu os acho atraentes, porque eu RESPEITO o espaço dos outros e sei o quão desconfortável é ter um raio de um neandertal a olhar para nós e a espumar da boca enquanto fazemos o agachamento bulgaro que já é doloroso que chegue!

E com este discurso lá vem a porra de uns gajos que acham que somos burras choramingar: "ah mas agora já nem podemos olhar?", porra olhem mas não pratiquem hipnoterapia, não se espumem, não fiquem vidrados, é desconfortável e nós, todas nós notamos essa atitude tresloucada típica de um gajo que está fechado na cave o resto do dia á procura do melhor POV!

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Claro que a linha destrutiva sobretudo para a minha carteira foi sempre a mesma, aguento-me até que começo a frequentar o ginásio duas vezes por mês e um belo dia lá apareço eu para cancelar a inscrição.

E foi assim a minha vida ao longo dos ultimos anos, já estive em ginásios de bairro, os tais que me aconselharam onde diziam que as pessoas eram mais educadas mas onde encontrei pigmeus com musculatura atrofiada de tanto jardar a atrapalhar os movimentos do pescoço, daqueles que nem conseguem coçar as costas se quiserem.

Fui para ginásios premium onde os funcionários eram ainda mais mal pagos e por isso estavam a borrifar-se para tudo, neste ultimo o recepcionista começou a atirar-se a mim e eu comecei a ameçar que ia apresentar uma queixa á gerência, sobretudo porque ele conhece o homem com quem sou casada, nunca mais me viu os dentes a mim nem eu os dele mas também não foi preciso porque saí e comecei a elaborar um plano para treinar em casa.  Para alguns de vocês pode parecer que gastei balurdios, mas na verdade gastei bem mais pelos meses afora em que prejudiquei a minha saude e nao frequentei os ginásios que pagava.

Odeio ginásios, por mil e uma razões e já percebi que como o virgin provavelmente nunca mais vou ter na minha vida.

 

 

 

 

22
Set25

Mulheres que fumam

Carina Martins

Título: pensei em algo simples como “Fumadores”. Mas não bastava. Faltava a faísca, o tom provocatório — o mesmo de quem, num lugar público, se esgueira e acende um cigarro sem se importar com o que os outros pensam. E aí lembrei-me: infelizmente, não existe nada mais provocatório do que ser uma mulher a fazê-lo.

Podia acabar já o post aqui, porque nisto já está contido tudo o que explica porque é que fumei, e porque a certo ponto fiz mesmo questão de manter o hábito. Mas aí os que nunca fumaram não entenderiam, e os que não têm uma alma rebelde como a minha, muito menos.

Comecei a fumar para ensaiar para uma peça. Tinha uns 34 anos. Sempre tive uma personalidade forte, por isso, quando aos 15 me pressionaram para fumar, o efeito foi o contrário: recusava veementemente pegar num cigarro só para ser aceite por um grupo de pseudo-bullies. Como em tudo na minha vida, fui ao contrário: comecei a fumar tarde.

E era uma nódoa. Não sabia sequer como segurar um cigarro, como entrelaçá-lo nos dedos sem o deixar cair. Não sabia tragar. Tossia, parava, fazia caretas. Levei duas semanas a apanhar o jeito. E o pior? Depois de apanhar o jeito já comentava com os meus colegas: “Porque é que este tubo branco slim me dá tanto gozo de manejar entre os dedos e me faz sentir tão bem?” Eu não percebia que estava a criar um vício. Nunca tinha tido nenhum. E não percebia como é que o sacana do vício em fumar — e provavelmente todos os outros — se instalam: sorrateiros.

Resumindo: a única coisa que sempre, sempre me irritou foi o fedor. Tenho uma coleção de perfumes em casa que deixei de usar porque o cheiro do tabaco entranha-se em tudo: nos dedos, na pele, no cabelo, na roupa. Mas, de repente, até nisso comecei a ver o lado positivo. Como? Como mulher que sempre foi abordada e assediada na rua — não importava se usava jeans e uma t-shirt oversized — o cigarro tornou-se numa arma. Se algum zé viesse meter conversa, eu pegava num slim, colocava-o entre os lábios e simulava o gesto de acendê-lo. Lá ia ele embora, a achar-me repugnante. Eu guardava o meu slim com um sorriso: “Este já foi.”

Posto isto, sem recorrer a estatísticas da internet, quase aposto que a percentagem de mulheres fumadoras é bem menor do que a de homens. Porque vivemos na sociedade em que vivemos, onde isso é muito menos aceite no feminino. O homem pode sempre fazer o que bem entende; nós somos logo rotuladas de mil e uma coisas. E agora sim, depois de dito isto, vou investigar.

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Surpreendidos? Ter quase 40 anos e ser observadora quase nos transforma em máquinas de estatística — por isso resolvi trazer fontes.

Continuando: o meu vício pelo cigarro teve vários estágios, mas, sem dúvida, o mais intenso aconteceu quando homens começaram a querer dizer-me o que devia ou não fazer (risos). Rio porque quem lê o blog já sabe como sou e entende que provavelmente foi isso que me fez acender um cigarro à frente dos seus narizes e dizer-lhes: “Calem-se, se faz favor, e deixem-me desfrutar do meu cigarro.”

Ouvi de tudo. Uma pessoa que, no auge do vício, fumava meio maço de slims por dia ouvia comentários como “não sabes fumar, não sabes inalar”. Sim — até na “arte de fumar” existe mansplaining. Diziam também que “estava a dar cabo da minha saúde”, mas vindo de gajos que bebiam diariamente — às vezes desde manhã, comiam mal, não se exercitavam e não se importavam com a própria saúde — eu perguntava-me por que raio não calavam a boca em vez de fazer figuras tristes. Percebi aí a hipocrisia.

Fui vítima durante dois anos — os dois piores anos da minha vida — de um alcoólatra. Todos os dias ele ia beber, começava de manhã e só parava à noite; qualquer estabelecimento lhe servia bebida a qualquer hora e ninguém nunca lhe negou nada. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Nunca ninguém chamou a polícia. Homens que se tornaram vermes como ele nunca fizeram nada, porque só viam dinheiro.

Depois disso fiquei totalmente intolerante ao álcool. Hoje, uma garrafa de vinho dura o ano todo: muito de vez em quando sirvo meia taça e vou bebendo ao longo de algumas horas. Quando comecei a tentar perceber quem eu era e a sair à noite (fase que durou pouco), conheci um dos gajos mais ignorantes da minha vida — vamos chamá-lo André. Ele e a irmã convidaram-me a mim e ao Bruno para sair. Eu, com os meus 30 e poucos, não percebi que era ingénuo esperar que, num bar, as pessoas entendessem que eu dançar ao som de uma música que gosto era só divertir-me. Olhei à volta e todos bebiam além da conta; não podia ficar sozinha por um segundo que já havia nabos a tentar olhares sedutores — longe de o serem. Percebi que a missão do André e da irmã era arranjar dois bêbados para sair com eles. Numa noite disse ao Bruno: “Vamos fazer um teste, porque estou farta desta situação — esta noite não bebemos e vamos ver como eles reagem.” Resultado? Chateámo-nos. Acabei por perguntar ao André e à irmã se nos viam como amigos ou como bobos da corte; não estávamos ali para beber como loucos. Se aquilo era a definição de diversão para eles, as saídas acabavam ali.

As saídas acabaram mesmo depois de eu perceber que o André tinha um filho com necessidades especiais e que eles evitavam os fins de semana de guarda do miúdo — preferiam as saídas à noite.

O gatilho para o meu vício atingir o auge foi precisamente o André. Um dia, antes de treinar, acendi um cigarro e aparece o gajo todo armado, a achar-se no direito total de opinar sobre a minha vida: “O que estás a fazer? O Bruno sabe disso?” Franzi a sobrancelha, olhei-o com o fumo a sair-me pelas narinas e dei outra tragada em protesto. Estava satisfeita com a minha resposta, mas ele continuou: “Ah, é que uma mulher a fumar é tão feio, nunca pensei.” Perguntei-lhe: “E desde quando eu faço coisas com base na opinião dos outros?”

Apaguei o cigarro e entrei no ginásio, mas as coisas ficaram ainda mais estranhas. No dia seguinte, ironicamen­te, deixei o Bruno dar uma tragada e filmámo-nos a partilhar um cigarro; publicámos em tom de provocação nas redes sociais. Eu sabia que o André era do tipo que gosta de falar da vida dos outros e pensei: “Pronto, aqui está o que precisas de saber — o Bruno sabe, palhaço!”

Esses momentos fizeram-me questionar mil e uma coisas e perceber a hipocrisia gigante em volta do cigarro. O cigarro lembra-me também a rebeldia de quando decidi namorar o Alex — porque era mulato e o meu pai era extremamente racista. Tinha cerca de 22 anos; o Alex não era bom para mim, mas quanto mais me diziam que eu não podia fazer aquilo, mais eu fazia. O cigarro foi o meu ato de rebeldia contra todos os pré-obesos embebedados em fast food diário e sedentarismo que diziam que eu não podia fumar. Naquela altura o meu corpo estava escultural, musculado; eu comia bem, exercitava-me e bebia imensa água, e mesmo assim os acéfalos achavam que podiam criticar o facto de eu ser fumadora. Sabes o que era mais engraçado? Quanto mais me contrariavam, mais prazeroso me parecia acender a porra do cigarro.

Estava naquela fase em que o cigarro era conveniente. Eu não procurava um relacionamento; queria, pelo contrário, afastar homens. Nunca fui super social; o cigarro tornara-se o meu melhor amigo. E o pior é que, apesar do cheiro — o maldito cheiro, a única coisa má do raio do cigarro — eu adorava cada tragada. Ligava uma música, olhava-me ao espelho enquanto tragava e sentia-me sexy, incrivelmente sexy, rebelde e poderosa. E nesses momentos percebia: estou completamente fodida — gosto demais disto.

A queda da era do  cigarro estava a tornar-se triste para mim pois eu sabia que um dia teria que fazer o luto do meu amigo, e o pior é que o tempo fez-me perder o medo de morrer, ouvi uma frase que dizia: "a vida é uma doença terminal" e aquilo ficou-me na cabeça porque de facto é verdade, todos vamos morrer, e o cigarro fazia-me tao feliz que a certo ponto eu perguntava-me "que pessoa vou ser eu, querido cigarro? vais levar-me muito cedo ou vou ser uma daquelas mulheres que fuma até aos 90 sem grandes mazelas até que de repente atingi-me um cancro de pulmao?", aquilo que sempre me angustiou foi nao viver bem, eu gosto de viver bem, feliz, e eu sabia que ia ser dificil.

Um dia parei, e hoje já lá vai quase um ano, guardo um maço de Karelia no meu guarda vestidos e quando bate a saudade lá tento acender um mas já nao me sabe ao que sabia antes, parece que o meu amigo vicio morreu mas a saudade ficou.

20
Set25

Nem sei

Carina Martins

Morte, mais uma vez morte, mais uma experiência diferente, mais uma perda, um ano de perdas, um ano que me congelou por dentro tornou-me impermeável ao sofrimento, cansei-me de tal forma, zanguei-me de tal forma com esse "deus" imaginário de quem toda a gente fala, que estou intorpecida e sigo caminho assim, sem querer saber de mais nada, já que a morte até me parece, ultimamente, uma solução para a dor que não cansa neste mundo.

Nessa manhã, onde tudo era banal, acordo e percebo que foste, sozinha, e á parte ao teres ido para algum lugar ou lugar nenhum o que mais me dói é que o tenhas que ter feito sozinha, o deus que os humanos inventaram estava demasiado ocupado para lembrar-se que morrer sozinho deve ser das coisas mais horríveis e assustadoras neste mundo, e se não estava marimbou-se para isso. Os teus olhos estavam vazios, distantes, e tentei olhar para eles e perceber a ultima coisa que te passou pela  cabeça, como  se isso ajudasse no que quer que fosse.

Tentei fechar os teus olhos e não consegui, mas consegui dar-te um beijo sem perceber se ainda estarias algures por aqui, e procurei respostas, mas não consegui, não consegui perceber se o teu corpo agora vazio e pesado continha a tua alma e desapareceu como pó com ela, ou se a tua alma se esquivou para algum sitio melhor. Dizem que se vê a alma através dos olhos, e eu olhei para ti e perguntei-me como esses olhos outrora cheios de vida agora pareciam tão vidrados, para onde foste tu? Ou seremos só, nada?

Percebi que tinha que deixar de sentir pena, afinal, que sorte a tua, agora minha pequena, descansas, e desculpa-me o medo, desculpa-me não ter estado lá, mas este mundo está demasiado virado do avesso e tu precisas-te de descansar, e que inveja que eu tenho de ti.

 

20
Ago25

O estigma com a líbido feminina

Carina Martins

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Há não sei quantos anos, um gajo machista ao quadrado decidiu inventar que as mulheres tinham menos libido do que os homens, e colou, colou porque provavelmente quando esse boato foi lançado ao acaso as mulheres tinham de obedecer aos homens, levar porrada era normal, contraceptivos eram obra do diabo e empregadas a dias para quê, mais valia casar. Obviamente que colou até com as próprias mulheres porque que mulher quer ter relações sexuais nessas condições? Mas aos homens colou porque dava jeito, primeiro, porque elas não podiam dizer que não, depois porque assim eles tinham uma desculpa, não que precisassem dela, para traí-las sem consequências para nada.

Entretanto as coisas mudaram, mas num Portugal pequenino a grande maioria das mulheres ainda são, e muito, submissas; dentro da maioria das casas, são elas que cuidam de tudo, cozinhar, limpar, cuidar dos filhos, ainda trabalham para além de tudo isso porque os homens, coitados, são uns aleijados, ou então vêm com a desculpa dos trabalhos braçais e de força. Bem, eu nunca vi uma mulher usar-se do “pequeno” pormenor da gestação e do parto para aproveitar-se e ficar no sofá a ver a bola, porque isso seria claramente aquilo que um homem faria. Aos neandertais do século XXI dá-lhes jeito falar dos trabalhos braçais, da força requerida; se forem a reparar, a maior parte, ironicamente, não tem fôlego para subir um vão de escadas sem ficar exausta, tem um perímetro abdominal maior do que o de uma grávida graças à diária cervejinha, são os mesmos que mandam bitaites nos jogos de futebol sem nunca terem encostado o pé numa bola, ou cujo exercício físico mais extenso que fizeram foi empurrar o carro quando ele avariou. Dito isto, haja libido que sobreviva a um ambiente de terror destes.

Claro que lhes continua a dar jeito dizer que as mulheres têm menos libido; na maioria das famílias de “bem” e com uma grande reputação, os machos alfa (sarcasmo) fazem uma chamadinha 5 minutos antes de terminar o trabalho para darem um pulo ao motel mais próximo, pagam 200 ou 300 euros por uma hora, apesar de terminarem o serviço em 5 minutos, e vão para casa a dizer: “desculpa lá, Maria, trânsito, já sabes, agosto”. A “Maria” muito provavelmente sabe, mas até compreende que alguém cobre 300 euros ao “Zé”, já que nem ela tem vontade de lhe meter as mãos.

A “Maria” caiu no velho conto: estudar, namorar, casar, trabalhar e ter filhos; na família dela não se falava de sexualidade e ficou chocada quando uma amiga lhe disse que se masturbava. Respondeu com um: “Eu? Ai, eu não preciso cá dessas coisas.” A amiga riu-se, abanou a cabeça e seguiu, e a Maria respeitou as regras sociais, que são sempre mais impositoras para mulheres do que para homens.

A questão, aqui, agora fora de sarcasmos, é que, para a mulher explorar a própria sexualidade, até para os dias de hoje, é precisa uma certa dose de rebeldia, porque rótulos de “putas” até as Marias desta vida têm, basta respirar, mas nós, aquelas que decidiram ser livres e não seguir padrões, nós somos as loucas, as tresloucadas, para variar, claro. Tal como acontecia há 200 anos, um orgasmo feminino é comparado à histeria, e o primeiro vibrador não surgiu porque algum homem nos quis fazer feliz, mas sim porque ele o viu como a cura para a dita “histeria”.

Histeria é um termo usado muito frequentemente por homens e às vezes pelas próprias “mulheres”, aquelas que são contra o nosso próprio progresso, para descrever as nossas emoções, porque, claro, sentir é algo que é inerente às mulheres e, quando demonstramos que sentimos, estamos a ser “mulherzinhas”. Exemplos? Reparem num jogo de futebol (btw, detesto futebol, mas acho que é uma excelente maneira de reunir energúmenos e fazer-lhes um teste de QI): homens aos berros, aos uivos, a vaiar, com cervejas na mão, frustrados, alguns até choram, outros festejam aos pulos; tudo muito bonito e ninguém critica. Agora substituam a bancada e coloquem público feminino num concerto, exatamente com o mesmo tipo de comportamento. Já sabem o que vão dizer sobre isso, certo? “Olhem-me para aquela cambada de histéricas aos pulos, não têm uma loiça para lavar?”

Triste, certo?

Mas reparem nisto: enquanto as coisas estão longe de estar evoluídas, como tanto se diz, por outro lado têm surgido mulheres na nossa sociedade que há muito perceberam que serem felizes era mais importante e seguiram essa máxima, rejeitando imposições sociais, enquanto “homens” com H pequeno, do alto dos seus narizes, continuam a não querer ou a esforçar-se minimamente para satisfazer as mulheres, julgando que elas não precisam de ser satisfeitas. Esquecem-se de que todos os estigmas sociais têm um preço a pagar, e por isso, de facto, as estatísticas mostram que as mulheres traem cada vez mais!

Não consigo deixar de me rir pela ironia que isto carrega: ora, a soberba da ala masculina (não generalizando) é tanta que acham que as mulheres não traem porque não têm vontade; os programas de incentivo à natalidade continuam a distorcer as coisas e a tentar aparentar que as mulheres só fazem sexo por questões meramente de procriação (excitante… só que não); tudo o resto é pecado, mas silêncio, só para as mulheres.

Era preciso fazer um estudo social, porque estas aves raras que criam leis, que regulamentam x, mudam aqui e permanecem acolá, ou seja, o governo, esquece-se de que o fruto proibido é o mais apetecido; pelo menos é assim que se rege o desejo. Não podemos controlar as nossas vontades, desejos, não podemos controlar pensamentos vagos que nos surjam pela cabeça; podemos controlar o que fazemos com eles. O problema é que já não queremos controlar esses desejos, até porque era só o que faltava; os homens nunca o fizeram, porque é que nós haveríamos de o fazer?

Retiram a educação sexual das escolas — irónico. Quando eu tinha 13 anos, há muitos anos, mais precisamente há 24 anos, tive educação sexual, formação cívica e, de toda a inutilidade que é o nosso ensino, foram das poucas aulas úteis que tive; fizeram-me compreender muitas coisas. Não fiquei uma miúda depravada, perdi a virgindade com 22 anos, dei o meu primeiro beijo pouco antes disso; sim, de facto, tocava-me todos os dias (detesto a palavra masturbar, parece que só está associada aos homens), em segredo. Tive poucas amigas para falar sobre o assunto, mas sabia bem falar abertamente sobre o prazer feminino, sempre soube que tinha bastante libido, mas, para minha surpresa, muitas amigas minhas também. Mas, como dizia, é irónico retirarem a educação sexual das escolas, sobretudo quando as miúdas estão tão desenvolvidas aos 13 hoje em dia, algumas até parecem maiores de idade; quando sabemos que os miúdos começam a atividade sexual mais cedo e que a infância deles não foi nem nunca mais será, infelizmente, como foi a nossa: uma verdadeira infância e não uma entrada precoce na idade adulta. E os pais, ainda assim, querem retirar a educação sexual? Resta-me rir; nem me vou alongar muito nesse assunto, vou ficar à espera das consequências do facto de os portugueses serem todos uns púdicos daqui a uns 5 anos; acho que é tempo suficiente para voltarmos a falar deste assunto e comprarmos bilhetes para o circo.

Eu dizia que o fruto proibido é o mais apetecido, certo?

Ora, tirem o cavalinho da chuva, porque as mulheres traem, e muito, e cada vez mais; as mulheres são mais discretas, pensam mais com a massa encefálica e depois deixam o desejo comandar. E não é porque tenham menos desejo, sabem? É porque são inteligentes, porque percebem cada vez mais o seu potencial, a independência e os estigmas que lhes quiseram colocar forçosamente na cabeça. Relógio biológico, menos libido, instinto materno — desculpem-me, mas isso são tudo conversas de chacha inventadas por barrigudos de cerveja na mão, no seu sofá quentinho; é que uma mulher que acredite que tem opções dá muito trabalho, é preciso conquistar!

16
Ago25

Um coração bom que precisa de ser contrariado

Carina Martins

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Trabalhei o dia todo, estava aqui  pronta para escrever sobre um tópico completamente diferente, até que de repente noto uma mensagem da Gabi no meu telemovel, nomes diferentes para proteger toda a situação, abro a mensagem e vejo: "Hello girl, do you know anything about Daniela, she's not reading me since 1 August", e de repente, tenho vontade de ir a correr para a rua e pedir que alguém dê-me um estalo com a maior força possível, aquela miúda fez-me mal, ajudei-a de todas as formas possíveis e imaginárias, caí numa depressão, deixei de acreditar nas pessoas definitivamente, e de repente, dá-me uma facada nas costas e ainda assim, aqui estou eu, passados 3 meses, preocupada com alguém de quem francamente cheguei a ter medo.

Mas que grande estúpida que tu és Carina, que grandessíssima burra, pega já no teu coração e deita-o fora porque estás avariada, és demasiado boa pessoa para este mundo de merda, para estas pessoas alheias a tudo, mas desta vez não vais deixar, desta vez NÃO!

Depois de estar 30 minutos á procura da Daniela, desisti, respirei fundo e pensei: desta vez NÃO! Ela não merece, segue a tua vida, já perdeste um ano inteiro a tentar ajudá-la e ela cuspiu em tudo o que fizeste por ela! Larguei o computador, decidi não responder á Gabi, com uma pessoa como a Daniela todo o cuidado é pouco e infelizmente esta foi uma daquelas situações que me doeu tanto, que não quero se quer que ela se lembre que eu existo, que a Daniela esteja bem mas que esqueça o meu nome e que eu existi na vida dela, a dor ainda existe, esta ferida é uma das tais, que eu nem se quer vou deixar sarar, para que esta burra não se esqueça que neste mundo virado do avesso, não há amigos.

O meu coração bom ás vezes precisa de algum controlo

15
Ago25

Entre o Calor das Chamas e o Frio Humano

Carina Martins

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Os fogos fazem-me chorar, dá-me a ligeira sensação que este ano começaram mais tarde, certo? Vamos a meio de Agosto, vejo pessoas a lutar sozinhas, sem bombeiros em redor, penso no meu Simba quando era vivo, no medo que senti porque morrer queimado deve ser das piores coisas, e vejo a natureza a arder, obra do "ser humano" e apetece-me chorar, é das poucas notícias que ainda tem algum impacto em mim.

Olho para as florestas densas envoltas em vermelho e cinzas e penso em quantos animais não estarão desesperados por ali a lutar pela vida, o ser humano é um lixo, desculpem, mas é, sim, os incêndios acontecem por mão dos incendiários mas a preocupação ambiental dos portugueses é nula, eu lembro-me de fazer a reciclagem desde as campanhas de incentivo, devia ter uns 13 anos, mesmo sem ser ainda vegan, com essa idade comecei a reduzir na carne e no peixe, porque comecei a ter a noção do impacto da pecuária no nosso meio ambiente e obviamente também do sofrimento dos animais completamente desnecessário para satisfazer os nossos requintes de prazer.

Tenho 37 anos, e desde os meus 13 que levo uma vida consciente que tenho que proteger o planeta, a maioria das pessoas não ganha consciência uma única vez ao longo das suas vidas, limita-se a aceitar aquilo que foi imposto socialmente sem aprofundar absolutamente nada, sem questionar absolutamente nada, estudar, de preferência na área que os paizinhos escolheram, casar, ter filhos porque é o que dita a lei, comprar casa e ficar a pagá-la até morrer, e é isto, com umas cervejas e tascas pelo caminho enquanto a "Maria" faz a janta, no meio de tudo isso não há espaço para pensar, segue-se tudo em modo automático, ninguém é genuinamente feliz e quando digo que os portugueses têm um QI estupidificado, não quero dizer que as pessoas são naturalmente burras, quero dizer que as pessoas gostam de ser burras e por isso viram costas ao conhecimento.

Eu já me preocupava com os fogos mas desde que vivi no interior e vi de perto o medo, e senti o calor das chamas a aproximarem-se fiquei mais consciente, mais consciente ainda da chacina que é um fogo, pessoas que acham que podem chorar quando acabaram de deixar o cão acorrentado sem possibilidade de fugir, lágrimas de gente oca que só chora pelo próprio umbigo, chorem á vontade porque não comovem a mais pequena célula do meu corpo ou alma, choram porque sentiram medo mas esqueceram-se do medo, da dor, do abandono e sofrimento que causaram deliberadamente a outro ser vivo porque vivem na bolha de um espécismo de que vocês são os mais importantes, viva ao ser humano que é mais digno e importante, e vejam lá o tamanho da sua nobreza que foge com o rabo entre as pernas de um fogo sem dispender 5 segundos para desacorrentar um cão que não soube o que é liberdade a vida toda e que agora vai ter a sua alma livre não sem antes passar pela dor mais atroz. Viva o ser humano que julga-se tão importante e nem é capaz de sentir empatia pela dor alheia, a ciência criada pelo próprio comprova que os animais sentem dor, dor física mas também dor da alma, que bom que o ser humano é racional, mas esperem, onde está a aplicação da razão num puro acto de cobardia?

No reino animal, até as formigas, o mais pequeno dos insectos anda em bando, organizadamente, constroem filas, seguem pelo seu destino, umas quantas com comida as costas 3 vezes maior do que os seus pequenos corpos, entreajudam-se, não há hierarquias, não precisam porque entendem que o bem de uma é o bem de todas, fazem pontes com os seus corpos para outras passarem se for preciso, mantém-se vivas e unidas, e portanto, não posso chamar o ser humano de forma alguma de formiga, o ser humano não passa de uma maçã podre que foi crescendo e corroendo com o resto da árvore, e hoje é uma praga que está descontrolada. Porque aí está até as irracionais formigas sem ter a tão aclamada razão humana, entendem o básico dos básicos, entreajuda e empatia, enquanto que o ser humano é o único que até á própria espécie ataca e prejudica.

Há anos que vemos incendiários a colocar fogo ás florestas e qual é a pena de prisão? 2 ou 3 anos? Onde estão as pessoas mortas no combate ao fogo, a morte de centenas de animais, a destruição de espécies, mais um roubo da fauna e da natureza que nos dão o precioso oxigénio, onde está responsabilização por isso? Por famílias que demoraram anos para construir algum conforto e de repente vêm-se sem abrigo?

Para mim um incendário deveria levar pena perpétua, para mim a acusação é de tentativa de homício, pela tentativa de matar mais um pedaço de um mundo que pertence a todos mas do qual poucos cuidam, para mim, pessoas que deixam animais á espera da morte deveriam ser igualmente condenadas, e sim, eu já vi um fogo de perto, sei que dá medo, mas a minha própria mãe doente, sem mal conseguir caminhar foi capaz de pegar nos animais que tinha que não eram poucos, meter-se numa carrinha e fugir, portanto não há desculpas, eu não sei onde está a consciência e o raciocínio do qual esta gente tanto se gaba, porque eu era incapaz de encostar a minha cabeça na almofada á noite e adormecer sabendo que deixei alguém para trás para morrer porque não me apeteceu.

Na Serra da Estrela, lembro-me de o João arranjar forma de evacuar todos os animais, cavalos, cães, porcos, galinhas, cabras, todos evacuados, as pessoas uniram-se e conseguiram, há poucos casos, mas existem uns quantos casos de pessoas que não julgam do alto do seu nariz que o corpo delas é o único que sente e importa.

Estes fogos são culpa dos incendiários? Sim. Mas também alastram-se com esta facilidade tal devido ao aquecimento global, quando eu tinha 15 anos os verões não eram assim, e não eram mesmo porque da minha infância lembro-me eu bem, haviam picos de calor? Sim, mas não a estes extremo em que todos os dias tenho que ligar á minha mãe para lembrá-la de andar sempre com água fresca e a bomba da asma. 

Tal como já disse uma vez, o Mundo não é uma merda, uma merda são as pessoas que que o destróem e tornam esta vida pesada por conta sempre do mesmo, ganância, egoísmo e ás vezes apenas pura maldade.

13
Ago25

Levar o que não é bom

Carina Martins

Ontem liguei á minha mãe, e já que aqui é o lugar onde eu desabafo tudo o que me vai na alma, ontem, de entre milhares de vezes, desejei que ele morresse, sabendo que no fundo, bem no fundo do meu coração ele seria daquelas pessoas que não fariam absolutamente falta nenhuma para a humanidade, mas eu explico.

Ontem estava a falar com a minha mãe, e ela anda abatida, tem fases, eu sei que as minhas chamadas fazem-lhe bem, por tudo o que passámos juntas, eu sei que eu sou aquela filha, a tal, e talvez eu tenha o direito a dizer isto quando a minha irmã borrifou-se completamente para a saúde e vida da minha mãe quando em um dia prometia reunir-se comigo para debater uma forma de a tirar dali e no outro mudou de ideias e decidiu que isso dava muito trabalho, fiquei sozinha outra vez, mas não desisti. Ontem, ela estava abatida, a minha mãe não é uma pessoa saudável, está doente, cansada e deprimida, enquanto a animava e a fazia rir um pouco a voz dela foi melhorando, até ao momento em que o anormal do meu "padrasto" chama-a a ir fazer o lanche porque o gajo é aleijado (ironia).

Rapidamente a minha mãe começa-se a despedir de mim e prepara-se para mais um dia de longos 63 anos a servir palermas a quem o mais comum mortal chama de homem, um de entre outros milhares que veio com promessas e falas mansas, que prometeu ser diferente de todos os outros mas que tratou a mulher que eu mais admiro em toda a minha vida como uma escrava, como uma utilidade.

Á anos que tento tirar a minha mãe dali, e ela não quer, ás vezes quer mas rapidamente muda de ideias, ás vezes desabafa, mas em todas essas vezes eu peço do fundo da minha alma que se deus existe que o leve e que a deixe ser feliz.

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